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Saída de um belíssimo trecho do livro Os quatro amores, de C. S. Lewis, conheça a sra. Resmungo. Será que você conhece alguém assim?

Não esqueça de ouvir este episódio com fone e em um ambiente tranquilo para desfrutar de cada detalhe sonoro de mais uma linda edição feita pelo Chico Gabriel.

Finalmente, antes do texto original deste conto (abaixo), lembre-se de compartilhar este episódio o máximo possível. Este é o melhor jeito de você demonstrar carinho por nós e ajudar o #IchthusPodcast a crescer cada vez mais. Ah, e não esqueça também de marcar a gente (@clubeichthus) na sua postagem.


Sra. Resmungo

Texto: C. S. Lewis
Narração e Edição: Chico Gabriel

Penso na sra. Resmungo, que morreu há alguns meses. É realmente assombroso o quanto sua família se reanimou. A expressão tensa desapareceu do rosto do marido; ele voltou a ser capaz de sorrir. O menino mais novo, que eu sempre imaginara uma criaturinha nervosa e irritadiça, se revelou bastante humano. O mais velho, que mal parava em casa a não ser para dormir, agora passa quase todo o tempo lá e começou a reorganizar o jardim. A menina, de que sempre se dizia que era “frágil” (embora eu nunca tenha descoberto qual era exatamente o problema), está aprendendo a montar, o que antes estava fora de questão, dança a noite inteira e joga tênis incansavelmente. Até o cachorro, que nunca podia sair de casa, exceto na coleira, hoje é um membro notório do Clube do Poste da rua onde moram.

A sra. Resmungo dizia com muita frequência que vivia para a família. E não era mentira. Todo o mundo no bairro sabia disso. “Ela vive para a família”, diziam; “Que grande esposa e mãe!” Lavava todas as roupas; é verdade que lavava mal e que a família tinha como pagar uma lavanderia e lhe pedia com frequência para não lavá-las. Mas ela lavava. Sempre havia almoço quente para quem estivesse em casa e jantar quente à noite (mesmo em pleno verão). Eles lhe imploravam que não fizesse isso. Protestavam, quase com lágrimas nos olhos (e sinceramente), que preferiam refeições frias. Não fazia diferença. Ela vivia para a família. Sempre ficava acordada para “receber” você se você ficasse fora até tarde, mesmo que até as duas ou três da manhã; você sempre ai encontrar aquele rosto enfraquecido, pálido e cansado esperando por você, como uma acusação silenciosa. O que significava, é claro, que você não podia sair com muita frequência sem sacrificar a privacidade.

Ela estava sempre fazendo coisas também; ela se considerava (não vou julgar) uma excelente costureira amadora e ótima tricoteira. E é claro que, se você não fosse um monstro sem coração, você era obrigado a usar o que ela fazia. (O pastor me disse que, desde a morte dela, a contribuição da família para os bazares de arrecadação de fundos vem superando a de todos os outros membros da igreja somados).

E havia o cuidado com a saúde dos filhos. Ela suportava sozinha todo o peso da “fragilidade” da filha. O médico — velho amigo da família, e sem intervenção do sistema público de saúde — não tinha permissão de discutir a situação com a paciente. Depois de um brevíssimo exame, era levado pela mãe para outra sala. A menina não precisava se preocupar nem cuidar da própria saúde. Precisava apenas de amor — carinho, alimentos especiais, tônicos horríveis e café da manhã na cama. Pois a sra. Resmungo, como sempre dizia, era capaz de “dar o próprio sangue” pela família.

Era impossível, para eles, detê-la. Também não podiam — por serem pessoas decentes — ficar o tempo todo sentados observando-a. Precisavam ajudar. Na verdade precisavam ajudar sempre. Ou seja, faziam coisas para ela a fim de ajudá-la a fazer para eles coisas que não queriam.

Quanto ao querido cachorro, era para ela “como um dos filhos”, dizia. Na verdade ele era como um dos filhos na medida em que ela conseguia que fosse. Mas, como não tinha escrúpulos, saía-se razoavelmente melhor que eles, e, embora levado ao veterinário, alimentado e protegido à exaustão, às vezes conseguia ir até a lata de lixo ou até o cachorro do vizinho.

O pastor diz que a sra. Resmungo está repousando. Espero que sim. O certo é que a família dela está.


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